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VAIDADE EM SÓCRATES

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Em seu texto "CRÍTON" Platão nos insere espírito legalista de Sócrates e nos mostra o quanto para ele – Sócrates – o Estado estava acima de todas as coisas, até mesmo de sua própria vida. Podemos começar nossa crítica perguntando: não teria Sócrates caído no pecado da vaidade quando rejeitou a proposta de Críton? Pois, se não, vejamos: sabedor que não lhe restava mais tanto tempo de vida, não teria Sócrates feito de si um mártir da filosofia com o propósito de servir de exemplos aos seus discípulos de quão importante é a constância das idéias para um filósofo? Se fugisse Sócrates prolongaria um pouco mais sua vida na terra, mas em contrapartida, destruiria tudo o que havia edificado e viveria na desonra, já que a covardia seria sua companheira até o fim. Assim, me parece que muito mais que o amor pelo Estado, Sócrates prova que tem amor maior por suas próprias idéias, a tal ponto de morrer por elas. Dizem que a vaidade acadêmica só perde para a vaidade do mundo fashion. Imaginemos que Sócrates não tivesse tomado cicuta. Consequentemente não teria morrido. Viveria mais algum tempo entre os seus discípulos e poderia deixar um legado maior. Mas, quando esse legado é a morte em nome do que se acredita, existe algo maior? Outra coisa que o texto deixa bem claro é que Sócrates era um ótimo perguntador, mas, não tinha a mesma eficiência ao responder, quanto tinha ao perguntar. Se ao contrário fosse, poderia muito bem ter fugido e depois, com toda a inteligência que lhe era peculiar, articulado boas respostas para as questões que ele mesmo apresentou.

P.C. Sócrates, estado, filosofia, morte.

CRITICA SOBRE “O AMOR” EM O BANQUETE (Platão)

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O Diálogo de Platão sobre o Amor é quase um manual de sentimentos. Hoje em dia poderíamos dizer que é um verdadeiro GPS com poder de conduzir o leitor por caminhos desconhecidos, mas, com a certeza de chegar ao destino em total segurança. Porém, é interessante frisar que este caminho é sinuoso e cheio de bifurcações (interrogações). É claro, que como GPS, o texto só indica o trajeto, cabe ao leitor a sensibilidade para encontrar a melhor maneira de condução. Então, vamos dar a partida. Segundo Diotima - sacerdotisa de Matinéia - o Amor é filho da Penúria (Pênia) com o deus da riqueza Poros. Nascer desta fusão é que dá ao Amor esta característica multifacetada. Ao mesmo tempo em que é pobre, duro, descalço e sem teto, é um mestre do malabarismo, do feitiço e do discurso envolvente. Com características tão peculiares como podemos então confiar em algo tão metamórfico? Seria o Amor um sentimento enganador para quem os fins justificam os meios? Se, como diz o texto, é preciso ir muito além da aparência para encontrar o verdadeiro Amor, como pode ele servir e assistir Afrodite ? Será que Amor conseguiu ver a alma de Afrodite? Ou a relação de Amor com Afrodite seria somente uma predestinação por ele ter sido gerado no mesmo dia em que ela nasceu? Mas, se assim fosse, teríamos que acreditar em destino, onde um nasceu para amar o outro. O Amor ama a sabedoria porque – como conta Diotima – é herdeiro da ignorância da mãe, mas por acaso não se ama um ignorante? Platão nos apresenta um Amor longe da suavidade e da beleza e depois, por um processo de desconstrução, através do conhecimento interior nos faz ver a sua antítese quanto diz:
Quando um homem foi assim instruído no conhecimento do amor, passando em revista coisas belas, uma após a outra, numa ascensão gradual e segura, de repente terá a revelação, ao se aproximar do fim de sua investigação do amor de uma visão maravilhosa, bela por natureza (...) e esse é o objeto final de todo afã.
Platão nos sugere um amor ascético. Contingencial - quando aconselha passar por vários corpos. Outra interrogação que encontramos pelo caminho diz respeito à vigência do Amor. Para Platão o Amor não é mortal e nem imortal. Se não é mortal e nem imortal o que é? Assim, depois de termos percorridos tantas indagações chegamos ao final desta viagem pelo “O Banquete” e descobrimos que passeamos pelo delicioso caminho da dialética ascendente de Platão onde devemos resistir à sugestão do sensível para buscar as puras relações inteligíveis.

P.C: Platão, Afrodite, Amor, Diotima.

1 - Mantineia (em grego Mαντινεία) é uma cidade grega, situada na prefeitura da Arcádia, no centro da periferia do Peloponeso. Foi palco de duas importantes batalhas na Antiguidade Clássica, em 418 a.C. (no contexto da Guerra do Peloponeso) e em 362 a.C.. Hoje em dia situa-se escassos quilômetros a norte de Trípoli, a capital da prefeitura da Arcádia.
2 - Afrodite (em grego antigo: Αφροδίτη) era a deusa grega da beleza..
3 - Lóg. Diz-se de uma proposição cuja verdade ou falsidade só pode ser conhecida pela experiência e, não, pela razão.

UM PRESENTE PARA SEMPRE

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Em uma de minhas viagens conheci uma moça muito doida. O nome dela é Ana Lidia. Gaucha. Despachada. Digamos que pelo tamanho, espaçosa. Linda. Olhos verdes. Dona de uma gargalhada fenomenal. Compradora compulsiva. Produtora de eventos. Um show de pessoa. Divertirmos-nos muito juntos. Quando estávamos indo da Espanha para a França ela disse: “quero lhe dar um presente para tu nunca mais se esquecer de mim”. Era um livro de Marta Medeiros – DOIDAS E SANTAS. Confesso que nunca tinha lido nada de Marta Medeiros e também não entendi muito o porquê dela me presentear com aquele livro. Bom, ali mesmo comecei a ler as crônicas do livro. Nesse dia nevava muito e a França havia fechado a fronteira com a Espanha. Ficamos mais de dez horas parados. Seria cômico se não fosse trágico. No começo tudo bem, já que muitas pessoas no ônibus nunca tinham visto tanta neve na vida. Gente, era neve pra mais de metro. Mas depois começou a ficar difícil. Sem água, sem banheiro, sim, porque os ônibus de turismo na Europa não têm banheiros e, sem comida, pois eles não permitem a entrada de comida – que é para não deixar o ônibus cheirando mal. Bom para abreviar, algumas horas depois de parados, as mulheres já estavam saindo em grupo para fazer xixi nos Pirineus e o pessoal de tanta fome começou a comer até o lanche do filho de uma turista amiga nossa. Bem, mas voltando assunto deste post, ali mesmo comecei a me enfronhar no universo de DOIDAS E SANTAS. Deparei-me com coisas que jamais havia pensado. Crônicas deliciosas e uma carpintaria literária fantástica. Em um dos seus contos, por sinal um dos meus preferidos – OBRIGADO POR INSISTIR – ela diz: “(...) Obrigado por insistir para que eu conhecesse Veneza, do contrário eu ficaria para sempre fugindo de lugares turísticos e me considerando muito esperto e com isso teria deixado de conhecer a cidade mais surreal e encantadora que meus olhos já viram. (...) Obrigado por insistir para eu voltar para você, para eu deixar de ser adolescente e aceitar uma vida a dois. (...) Obrigado por insistir para que eu deixasse você e fosse seguir a minha vida, obrigado pela confiança de que seríamos melhores amigos do que amantes. (...) Obrigado por insistir para eu cortar o cabelo, obrigado por insistir para eu dançar com você, obrigado por insistir para eu voltar a estudar.” E termina Marta Medeiros: “(...) Em tempo em que quase ninguém se olha nos olhos, em que a maioria das pessoas pouco se interessa pelo que não lhe diz respeito, só mesmo agradecendo àqueles que percebem nossas descrenças, indecisões, suspeitas, tudo o que nos paralisa, e gastam um pouco da sua energia conosco, insistindo”. Li o livro todo enquanto ficávamos ali parados. Foi uma viagem dentro de outra viagem. Na dedicatória minha amiga Ana Lidia colocou: “Que este livro fique como residual de uma viagem fantástica com amigos tão queridos”. E ficou.